Minha amiga mais do que virtual, Clícia, minhas alunas queridas, Fernanda, Carol e Aline, minhas amigas da vida, Vanessa e Érica, e amigos do blog que passam e vez por outra se manifestam:
Preciso falar-lhes.
Quero dizer que este site está sendo construído com textos meus e de outros a quem faço sempre referência. Procuro encontrar um sentimento que me permita escrever. O de ultimamente, que parece nem ser muito producente, é a tristeza, mas isso não significa que estou profundamente triste. Tento encontrar aí algo, só isso.
Tento criar em mim pontos diferentes para falar o que não há necessariamente em mim. Aliás, é provável que pouco haja. É provável que eu seja pura experimentação. Eu em meu incansável teste. Olho clínico, observador.
Às vezes, como uma mulher falsa, invento, recrio, aumento, amplio, minimizo, cirzo, reduzo a lembrança, a ausência, o limite, as histórias todas. Minha avó ainda pode estar viva, ainda que morta, ainda posso estar casada, ainda que separada, posso ser feliz, ainda que triste.
Por favor, não acreditem em mim.
E lembrem-se dos mais do que conhecidos versos do Fernando Pessoa: o poeta é um fingidor, finge tão completamente/que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente.
Beijos e obrigada pelas visitas. (E perdão por ter me comparado a um poeta)
Elis
terça-feira, março 28, 2006
sexta-feira, março 24, 2006
Três da Madrugada
Carlos Pinto e Torquato Neto
Três da madrugada, quase nada
A cidade abandonada
E essa rua não tem mais nada de mim
Nada
Noite, alta madrugada
Nessa cidade que me guarda
Que me mata de saudade
É sempre assim
Triste madrugada, tudo e nada
A mão fria, a mão gelada
Toca bem de leve em mim
Saiba:
meu pobre coração não vale nada
Pelas três da madrugada
Toda palavra calada
Nessa rua da cidade
Que não tem mais fim
* * *
Quando há muitos anos, voltava para casa, numa noite úmida e fresca como a de hoje, costumava ligar o som do meu carro e ouvir essa canção linda, interpretada por um grupo que não mais existe, chamado Nouvelle Cuisine.
Quando voltava para além das três da madrugada, ouvia uma outra, da Dolores Duran e do Tom Jobim, chamada Estrada do Sol.
É de manhã vem o sol
Mas os pingos da chuva
que ontem caiu
Ainda estão a brilhar
Ainda estão a dançar
Ao vento alegre
Que me traz esta canção
É de manhã vem o sol
Mas os pingos da chuva
que ontem caiu
Ainda estão a brilhar
Ainda estão a dançar
Ao vento alegre
Que me traz esta canção
Quero que você me dê a mão
Vamos sair por aí
Sem pensar no que foi
que sonhei
Que chorei, que sofri
Pois a nossa manhã
Já me fez esquecer
Me dê a mão
vamos sair pra ver o sol
Naquela época, talvez fosse recorrente voltar para casa no tempo chuvoso, também chuvosa por dentro. Meus problemas eram de outra ordem e lembro-me bem de me sentir com mais freqüência triste do que atualmente. Era a tristeza da adolescência, da ansiedade do que estava por vir, da incerteza do amor.
Hoje eu ainda choro. Acho importante conservar esse sentimento, para nunca ter a dificuldade em distinguir uma situação feliz de uma triste. Há adultos que se tornam indiferentes a tudo, o mundo, para eles, é monocromático.
Minha tristeza não é de adolescente, mas é provável que aconteça pela mesma razão. A ansiedade do que está por vir e a incerteza do amor.
Três da madrugada, quase nada
A cidade abandonada
E essa rua não tem mais nada de mim
Nada
Noite, alta madrugada
Nessa cidade que me guarda
Que me mata de saudade
É sempre assim
Triste madrugada, tudo e nada
A mão fria, a mão gelada
Toca bem de leve em mim
Saiba:
meu pobre coração não vale nada
Pelas três da madrugada
Toda palavra calada
Nessa rua da cidade
Que não tem mais fim
* * *
Quando há muitos anos, voltava para casa, numa noite úmida e fresca como a de hoje, costumava ligar o som do meu carro e ouvir essa canção linda, interpretada por um grupo que não mais existe, chamado Nouvelle Cuisine.
Quando voltava para além das três da madrugada, ouvia uma outra, da Dolores Duran e do Tom Jobim, chamada Estrada do Sol.
É de manhã vem o sol
Mas os pingos da chuva
que ontem caiu
Ainda estão a brilhar
Ainda estão a dançar
Ao vento alegre
Que me traz esta canção
É de manhã vem o sol
Mas os pingos da chuva
que ontem caiu
Ainda estão a brilhar
Ainda estão a dançar
Ao vento alegre
Que me traz esta canção
Quero que você me dê a mão
Vamos sair por aí
Sem pensar no que foi
que sonhei
Que chorei, que sofri
Pois a nossa manhã
Já me fez esquecer
Me dê a mão
vamos sair pra ver o sol
Naquela época, talvez fosse recorrente voltar para casa no tempo chuvoso, também chuvosa por dentro. Meus problemas eram de outra ordem e lembro-me bem de me sentir com mais freqüência triste do que atualmente. Era a tristeza da adolescência, da ansiedade do que estava por vir, da incerteza do amor.
Hoje eu ainda choro. Acho importante conservar esse sentimento, para nunca ter a dificuldade em distinguir uma situação feliz de uma triste. Há adultos que se tornam indiferentes a tudo, o mundo, para eles, é monocromático.
Minha tristeza não é de adolescente, mas é provável que aconteça pela mesma razão. A ansiedade do que está por vir e a incerteza do amor.
quarta-feira, março 22, 2006
terça-feira, março 21, 2006
Vamos sambar?
É melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe, é assim como a luz no coração...
INSIGHT
Porque insights sempre têm de vir às 2h30 da madrugada!
Descobri o que quero fazer em meu doutorado e estou zer zer zer feliz com isso.
Meus neurônios que produzem minhas ações ações ações ações ações ações ações sem sentido e significado...
Continuarei com a mesma pergunta do meu mestrado (olha só, isso não é óbvio nem de responder nem de descobrir!):
O que é o significado de uma expressão lingüística?
De quantas maneiras posso responder a essa pergunta! Como posso cruzar os resultados ou conclusões que foram dadas a essa simples pergunta! O que me diz a filosofia? O que me diz a psicolingüística? O que me diz a neurociência da linguagem? O que há de comum? Em que medida confluem e divergem essas teorias?
Outra vez um mergulho: conhecer o estado da arte e produzir interferências.
Descobri o que quero fazer em meu doutorado e estou zer zer zer feliz com isso.
Meus neurônios que produzem minhas ações ações ações ações ações ações ações sem sentido e significado...
Continuarei com a mesma pergunta do meu mestrado (olha só, isso não é óbvio nem de responder nem de descobrir!):
O que é o significado de uma expressão lingüística?
De quantas maneiras posso responder a essa pergunta! Como posso cruzar os resultados ou conclusões que foram dadas a essa simples pergunta! O que me diz a filosofia? O que me diz a psicolingüística? O que me diz a neurociência da linguagem? O que há de comum? Em que medida confluem e divergem essas teorias?
Outra vez um mergulho: conhecer o estado da arte e produzir interferências.
segunda-feira, março 20, 2006
Cara, clara, caro
Minha vida não é clara, mas é cara, meu caro.
Minha vida não é cara, mas é claro, minha cara.
Minha vida não é cara, mas é, clara, meu caro.
Minha vida não é mel karo, mas é cara, Clara.
Minha vida não é mais cara, é claro, meu caro.
Minha vida não é máscara, é clara, meu caro.
Minha vida não é, cara, nada clara nem cara.
Minha vida não é cara, mas é claro, minha cara.
Minha vida não é cara, mas é, clara, meu caro.
Minha vida não é mel karo, mas é cara, Clara.
Minha vida não é mais cara, é claro, meu caro.
Minha vida não é máscara, é clara, meu caro.
Minha vida não é, cara, nada clara nem cara.
Das quadras esta é a quadra que mais gosto
Minha razão é de aço
Não me deixa aliviar
Não dá em falso um passo
Estreita meu caminhar.
Não me deixa aliviar
Não dá em falso um passo
Estreita meu caminhar.
sábado, março 18, 2006
De um amigo meu, semi-palhaço
Cabra que não dá assistência
Abre a concorrência
E perde a preferência.
Isso é que é rimência.
Abre a concorrência
E perde a preferência.
Isso é que é rimência.
EPIGRAMA Nº 2 de Cecília Meireles
És precária e veloz, Felicidade.
Custas a vir, e, quando vens, não te demoras.
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo,
e, para te medir, se inventaram as horas.
Felicidade, és coisa estranha e dolorosa.
Fizeste para sempre a vida ficar triste:
porque um dia se vê que as horas todas passam,
e um tempo, despovoado e profundo, persiste.
Custas a vir, e, quando vens, não te demoras.
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo,
e, para te medir, se inventaram as horas.
Felicidade, és coisa estranha e dolorosa.
Fizeste para sempre a vida ficar triste:
porque um dia se vê que as horas todas passam,
e um tempo, despovoado e profundo, persiste.
Enquadrada
Se eu estivesse triste agora
Penso que seria mais feliz
Quero ser a mulher que chora
Pelo menos, soube o que quis.
Penso que seria mais feliz
Quero ser a mulher que chora
Pelo menos, soube o que quis.
Uma rima básica para não perder a prática
Me disseram que eu tinha um ar blasée.
O que vocês acham que eu posso fazer?
O que vocês acham que eu posso fazer?
quarta-feira, março 15, 2006
TORRE
Quando eu puder, quero ter uma casa com um nome, assim como a casa de minha avó, que era conhecida por Torre. Hoje, seu nome passou a designar um bairro inteiro.
É um bonito e forte nome: TORRE.
Quando minha avó morreu, eu ainda era uma meninota adolescente. Foi na primeira fase, se não me engano. Talvez tivesse uns quatorze anos, por aí. Lembro que ela passava muito mal, a pobrezinha. Não reconhecia netos, filhos, noras. Minha mãe, segundo sua versão, a cuidou mais do que todos os da família. Morreu de câncer no pâncreas. No hospital. Fiquei com a lembrança dela, ainda relativamente lúcida, na varanda de sua casa, onde costumava cortar-lhe as unhas. Lembro-me dela sentada, naquele chão frio de cimento, depois do almoço, iluminada pela luz única e singular da caatinga cearense. Compondo o cenário em minha memória, vejo, no alpendre, meu avô se balançar numa rede de tucum, mastigando fumo de rolo e dormindo agarrado a seu cajado, o meio eficiente que encontrara para afugentar netos zoadentos. Vez por outra, se o sono era leve, punha-se a trançar a palha da carnaúba. Fazia esteiras, chapéus, açoites, o que lhe viesse à mente. Era habilidoso. Essa arte fosse talvez a sua literatura. Ali, ao lado da habilidade manual, passava sua vida em revista. Relembrava histórias, maldizia as trapaças, projetava seu futuro. Minha avó, apesar da idade, ainda era encabulada. Sempre que pedia, me contava suas histórias. Eu lhe perguntava o mesmo: como tinha sido o encontro deles dois. Inocente, imaginava que se tratava de um amor profundo. Não podia ainda perceber que outras forças, muito mais imperiosas do que o amor, eram fundamentais para unir um casal.
Quando menina, gostei demais de ir a São Bento da Amontada. Lá, me esbaldava de tanto brincar. Hospedávamo-nos sempre na casa da vovó. Minha mãe, doente por limpeza, fazia uma faxina completa no nosso cômodo, armava ali umas redes e guardava ali nossas malas. Quando voltávamos, costumávamos vir carregados de comida sertaneja, e obviamente do meu doce predileto, o doce de leite feito por minha avó.
Por causa do doce de leite, resolvi escrever sobre ela, quase dezesseis anos depois de sua morte. Passei um bom período sem me dar conta de que não mais residia sobre a terra. Nas férias, tinha o ímpeto de convidar minha família para ir à Amontada, fazer-lhe uma visita. E nessas horas, percebia que a vovó já não existia e que as razões para ir àquela cidade escasseavam. Sonhei muito com ela, ainda viva, sempre viva.
No velório, na ante-sala de sua casa, quando a percebi deitada no caixão aberto, segurei-lhe as mãos e lhe disse para levantar-se. Quis informar-lhe que ali havia muita gente, e que ela devia se preparar para receber a todos, que não podia se comportar daquela maneira, deitada e dormindo diante dos convidados. Afinal, eles estavam em sua casa, precisavam ser recebidos pela dona. A bandeja de bombons passava e lembro-me de ter pego um pipper para mim. As pessoas bebiam refrigerante, e circulava muita gente, muita gente mesmo. Aprendi que uma cena de velório não era apenas uma reunião triste. É o momento em que as pessoas aproveitam para mostrar sua solidariedade e cordialidade.
Sua fama era a de receber todos que por ali passavam. Sua mesa estava sempre cheia de comida. Era um banquete diário. A família era enorme. Teve onze filhos, dos quais nove sobreviveram. Meu pai foi o caçula. Dos onze, uma mulher apenas. Uma família de homens, praticamente. Entre netos e bisnetos, podia-se contar uma centena. Imagino que em períodos de festa, a mulher não devia ter descanso. Todos em São Bento da Amontada, entrançando em sua casa tal qual a palha da carnaúba entrançava nas mãos de meu avô. Na cozinha, pendurados por ganchos, bichos recém mortos, carne fresca para alimentar a família-batalhão. Eram galinhas penduradas de cabeça para baixo, eram partes inteiras de carne seca de boi, eram chouriços enlaçados marcando aquelas paredes de vermelho, as gotas de sangue lembrando a cena de um açougue. A despensa, uma mini-casa interna ao lado do fogão à lenha, abrigava em várias latas os mantimentos, frutos da colheita daquele ano. Lá também, minha avó e minha mãe, em comum acordo, escondiam os biscoitos e os chocolates mais deliciosos.
Em seu quarto, possuía dois baús, o lugar onde guardava roupas de vestir, roupas de cama, alguns segredos, recordações caras, e um ou outro objeto de valor. Sempre me pareceu um mistério. O chão de seu quarto não era como o do alpendre, de cimento. Era feito de uma espécie de tijolo, mais do que vermelho escuro, cor de barro mesmo, de laterais arredondadas, gasto pelo tempo, como se fossem azulejos rústicos da idade da pedra. Dormia de rede numa parte do quarto e meu avô em outra rede, na parte oposta.
Sua cristaleira protegia meia dúzia de copos finamente decorados e algumas belas xícaras. Ansiava pelo dia em que poderia tomar café em uma delas. Na sala, sempre estava a TV em preto e branco e o rádio antigo em tom marrom.
O banheiro da casa da minha avó era fora da casa da minha avó. Duas portas, à saída da cozinha, davam cada uma acesso a funções semelhantes às do banheiro moderno. Por uma porta entrava-se para o banho, um tanque de cimento e barro, onde ficava água estancada e algumas rãs. Pela outra porta, um sanitário sem fossa e tampa, para uso de todos. Com a modernidade, minha mãe lutou muito para que os filhos construíssem dentro da casa um banheiro mais asseado para a família. Nós o usamos durante a nossa vida por lá. Este já possuía um chuveiro e uma pia, para uma eventual limpeza dos dentes.
Bem ao lado do alpendre, ficavam os estábulos, para onde as vacas, os bois e alguns cavalos iam se alimentar na primeira hora da manhã e no final da tarde. Um espetáculo.
Minha avó se chamava Euclídia de Barros Teixeira. Possuía uma irmã, de nome engraçado, Ovídia, de quem nunca esqueço a fisionomia. Foi a pessoa mais parecida comigo que já vi.
Lembrar-me de minha avó é lembrar-me da casa de minha avó.
Lembrar-me de um Torre feito de Barros.
É um bonito e forte nome: TORRE.
Quando minha avó morreu, eu ainda era uma meninota adolescente. Foi na primeira fase, se não me engano. Talvez tivesse uns quatorze anos, por aí. Lembro que ela passava muito mal, a pobrezinha. Não reconhecia netos, filhos, noras. Minha mãe, segundo sua versão, a cuidou mais do que todos os da família. Morreu de câncer no pâncreas. No hospital. Fiquei com a lembrança dela, ainda relativamente lúcida, na varanda de sua casa, onde costumava cortar-lhe as unhas. Lembro-me dela sentada, naquele chão frio de cimento, depois do almoço, iluminada pela luz única e singular da caatinga cearense. Compondo o cenário em minha memória, vejo, no alpendre, meu avô se balançar numa rede de tucum, mastigando fumo de rolo e dormindo agarrado a seu cajado, o meio eficiente que encontrara para afugentar netos zoadentos. Vez por outra, se o sono era leve, punha-se a trançar a palha da carnaúba. Fazia esteiras, chapéus, açoites, o que lhe viesse à mente. Era habilidoso. Essa arte fosse talvez a sua literatura. Ali, ao lado da habilidade manual, passava sua vida em revista. Relembrava histórias, maldizia as trapaças, projetava seu futuro. Minha avó, apesar da idade, ainda era encabulada. Sempre que pedia, me contava suas histórias. Eu lhe perguntava o mesmo: como tinha sido o encontro deles dois. Inocente, imaginava que se tratava de um amor profundo. Não podia ainda perceber que outras forças, muito mais imperiosas do que o amor, eram fundamentais para unir um casal.
Quando menina, gostei demais de ir a São Bento da Amontada. Lá, me esbaldava de tanto brincar. Hospedávamo-nos sempre na casa da vovó. Minha mãe, doente por limpeza, fazia uma faxina completa no nosso cômodo, armava ali umas redes e guardava ali nossas malas. Quando voltávamos, costumávamos vir carregados de comida sertaneja, e obviamente do meu doce predileto, o doce de leite feito por minha avó.
Por causa do doce de leite, resolvi escrever sobre ela, quase dezesseis anos depois de sua morte. Passei um bom período sem me dar conta de que não mais residia sobre a terra. Nas férias, tinha o ímpeto de convidar minha família para ir à Amontada, fazer-lhe uma visita. E nessas horas, percebia que a vovó já não existia e que as razões para ir àquela cidade escasseavam. Sonhei muito com ela, ainda viva, sempre viva.
No velório, na ante-sala de sua casa, quando a percebi deitada no caixão aberto, segurei-lhe as mãos e lhe disse para levantar-se. Quis informar-lhe que ali havia muita gente, e que ela devia se preparar para receber a todos, que não podia se comportar daquela maneira, deitada e dormindo diante dos convidados. Afinal, eles estavam em sua casa, precisavam ser recebidos pela dona. A bandeja de bombons passava e lembro-me de ter pego um pipper para mim. As pessoas bebiam refrigerante, e circulava muita gente, muita gente mesmo. Aprendi que uma cena de velório não era apenas uma reunião triste. É o momento em que as pessoas aproveitam para mostrar sua solidariedade e cordialidade.
Sua fama era a de receber todos que por ali passavam. Sua mesa estava sempre cheia de comida. Era um banquete diário. A família era enorme. Teve onze filhos, dos quais nove sobreviveram. Meu pai foi o caçula. Dos onze, uma mulher apenas. Uma família de homens, praticamente. Entre netos e bisnetos, podia-se contar uma centena. Imagino que em períodos de festa, a mulher não devia ter descanso. Todos em São Bento da Amontada, entrançando em sua casa tal qual a palha da carnaúba entrançava nas mãos de meu avô. Na cozinha, pendurados por ganchos, bichos recém mortos, carne fresca para alimentar a família-batalhão. Eram galinhas penduradas de cabeça para baixo, eram partes inteiras de carne seca de boi, eram chouriços enlaçados marcando aquelas paredes de vermelho, as gotas de sangue lembrando a cena de um açougue. A despensa, uma mini-casa interna ao lado do fogão à lenha, abrigava em várias latas os mantimentos, frutos da colheita daquele ano. Lá também, minha avó e minha mãe, em comum acordo, escondiam os biscoitos e os chocolates mais deliciosos.
Em seu quarto, possuía dois baús, o lugar onde guardava roupas de vestir, roupas de cama, alguns segredos, recordações caras, e um ou outro objeto de valor. Sempre me pareceu um mistério. O chão de seu quarto não era como o do alpendre, de cimento. Era feito de uma espécie de tijolo, mais do que vermelho escuro, cor de barro mesmo, de laterais arredondadas, gasto pelo tempo, como se fossem azulejos rústicos da idade da pedra. Dormia de rede numa parte do quarto e meu avô em outra rede, na parte oposta.
Sua cristaleira protegia meia dúzia de copos finamente decorados e algumas belas xícaras. Ansiava pelo dia em que poderia tomar café em uma delas. Na sala, sempre estava a TV em preto e branco e o rádio antigo em tom marrom.
O banheiro da casa da minha avó era fora da casa da minha avó. Duas portas, à saída da cozinha, davam cada uma acesso a funções semelhantes às do banheiro moderno. Por uma porta entrava-se para o banho, um tanque de cimento e barro, onde ficava água estancada e algumas rãs. Pela outra porta, um sanitário sem fossa e tampa, para uso de todos. Com a modernidade, minha mãe lutou muito para que os filhos construíssem dentro da casa um banheiro mais asseado para a família. Nós o usamos durante a nossa vida por lá. Este já possuía um chuveiro e uma pia, para uma eventual limpeza dos dentes.
Bem ao lado do alpendre, ficavam os estábulos, para onde as vacas, os bois e alguns cavalos iam se alimentar na primeira hora da manhã e no final da tarde. Um espetáculo.
Minha avó se chamava Euclídia de Barros Teixeira. Possuía uma irmã, de nome engraçado, Ovídia, de quem nunca esqueço a fisionomia. Foi a pessoa mais parecida comigo que já vi.
Lembrar-me de minha avó é lembrar-me da casa de minha avó.
Lembrar-me de um Torre feito de Barros.
domingo, março 12, 2006
Água da fonte
Queria poder te amar
Um amor bom e sem fim
Queria poder te amar
Sair de dentro de mim
Não posso, mas eu quero
Sentir um amor tão profundo
Uma alegria sincera
Embrenhar-me no teu mundo
Meu coração é de pedra
Duro, seco e sem vida
Quando não é isso
É só um vazio sem viço
Queria poder te amar
Um amor grande e austero
Queria poder te amar
Te dizer como eu te quero
Não posso, mas eu quero
Passar essa vida errando
Desprender-me sem bom senso
Viajar sem ter um plano
Minha razão é de aço
Não me deixa aliviar
Não dá em falso um passo
Estreita meu caminhar.
Um amor bom e sem fim
Queria poder te amar
Sair de dentro de mim
Não posso, mas eu quero
Sentir um amor tão profundo
Uma alegria sincera
Embrenhar-me no teu mundo
Meu coração é de pedra
Duro, seco e sem vida
Quando não é isso
É só um vazio sem viço
Queria poder te amar
Um amor grande e austero
Queria poder te amar
Te dizer como eu te quero
Não posso, mas eu quero
Passar essa vida errando
Desprender-me sem bom senso
Viajar sem ter um plano
Minha razão é de aço
Não me deixa aliviar
Não dá em falso um passo
Estreita meu caminhar.
Gaita de Lata
Cecília Meireles
Se o amor ainda medrasse,
aqui ficava contigo,
pois gosto da tua face,
desse teu sorriso de fonte,
e do teu olhar antigo
de estrela sem horizonte.
Como, porém, já não medra,
cada um com a sorte sua!
(Não nascem lírios de lua
pelos corações de pedra...)
Se o amor ainda medrasse,
aqui ficava contigo,
pois gosto da tua face,
desse teu sorriso de fonte,
e do teu olhar antigo
de estrela sem horizonte.
Como, porém, já não medra,
cada um com a sorte sua!
(Não nascem lírios de lua
pelos corações de pedra...)
De Umberto Eco, n'O Pêndulo de Foucault
Há quatro tipos ideais: o cretino, o imbecil, o estúpido e o louco. O normal é a mistura equilibrada destes quatro.
Queria entender o sentido desta frase
"Aquele que ama realmente não coloca condições a seu amor." André Provonost
Recém-saída de um romance de Rubem Fonseca
Ele me ligou numa quinta-feira à tarde. Era quase hora de sair para o trabalho. Identificou-se. Começou lento, aos poucos foi me deixando confiante. Passamos quase uma hora ao telefone. Na semana passada, me ligou novamente. Convidou-me para comparecer. Cheguei às duas. Quase uma hora para me atender. Conseguiu nomear tudo o que para mim não tinha nome. Depois de ajudá-lo com técnicas amplamente conhecidas, pediu para que eu verificasse se não continha erros. Tudo certo. Uma despedida e a gentileza de me acompanhar até a porta. Abriu-a e me desejou sorte. Sinceramente, espero tê-la.
sexta-feira, março 10, 2006
Mulher, sempre mulher, dê no que der
O dia internacional da mulher não é o dia para que as pessoas presenteiem as mulheres com rosas ou com um carinho especial. O dia internacional da mulher é para que nos lembremos da importância dos direitos de igualdade de tratamento em todos os aspectos. As mulheres ainda recebem um salário inferior ao dos homens, quando ocupam as mesmas funções, ainda sofrem pressão psicológica e violência física, ainda são discriminadas publicamente por seus pensamentos ou por seu modo de operar e ainda estão pensando que a forma como o mundo as trata é natural, lógica, óbvia e que não haveria outra forma possível.
Sempre é possível reorganizar nosso modo de vida.
Vamos em frente, mesmo sem ter com o que contar!
Sempre é possível reorganizar nosso modo de vida.
Vamos em frente, mesmo sem ter com o que contar!
terça-feira, março 07, 2006
O que eu fiz para merecer isso?
Meu pai quando criança me botou um brinco no berçário, uma fita vermelha no pulso e me falou que a proteção dessa natureza era importante em todas as fases da minha vida. Ele me achava muito bonita e temia mal olhado.
No café da tarde, de costume alemão e brasileiro: café com leite e bolo, depois de tentar responder à pergunta acima, lembrei-me que há oito anos mais ou menos recebemos em casa de minha mãe, de um jato, uma boneca, um vodu, que se assemelhava a mim, e estava toda alfinetada em meio a terra, que segundo me contaram, era de cemitério.
Como sou descrente, céptica, joguei a boneca fora, não me afligi com a situação, pensei tratar-se de um engano, porque não tinha inimigos na época. Nunca me lembrei disso. Acho que estou tão deprimida, tão aflita sem entender as razões de viver essa experiência demasiado dolorosa, que ando até apelando para explicações algo místicas.
No café da tarde, de costume alemão e brasileiro: café com leite e bolo, depois de tentar responder à pergunta acima, lembrei-me que há oito anos mais ou menos recebemos em casa de minha mãe, de um jato, uma boneca, um vodu, que se assemelhava a mim, e estava toda alfinetada em meio a terra, que segundo me contaram, era de cemitério.
Como sou descrente, céptica, joguei a boneca fora, não me afligi com a situação, pensei tratar-se de um engano, porque não tinha inimigos na época. Nunca me lembrei disso. Acho que estou tão deprimida, tão aflita sem entender as razões de viver essa experiência demasiado dolorosa, que ando até apelando para explicações algo místicas.
Passei hoje mais de quatro horas dentro de uma livraria com a organização mais louca que já vi. Lá todos os títulos estavam agrupados por editora, não por tema. O que posso pensar de um lugar como esse? Não é um lugar onde eu possa descobrir autores que falem sobre o mesmo tema, perceber que há mais de um ponto de vista. Aquele lugar era um depósito de livros. O que importava, me disse a vendedora, era o fluxo de saída dos livros, a prestação de contas com as editoras. Ela me falou que a função delas era encontrar o livro que eu estava procurando. O que ela queria me dizer, em outras palavras, era que eu não podia entrar lá se não tivesse um objetivo definido, um nome de autor, um nome de um título e um nome de editora. Que horror! Passei horas tentando encontrar livros de poetas novos, livros de mitologia, livros de autores que não são exclusivos de uma editora. Se Carlos Heitor Cony, por exemplo, tinha um contrato com a Ediouro na década de 70 e 80, hoje ele tem um contrato com a Companhia das Letras. Seus livros não estão todos reunidos numa prateleira. Estão em prateleiras opostas, em salas diferentes, tão distantes um do outro. Procurei um livro de Bertrand Russel, que se chama A conquista da Felicidade, numa estante da Filosofia, não estava. O vendedor com desdém me disse que se houvesse estaria junto com os livros da editora não sei das quantas. A editora não sei das quantas estava junto de livros técnicos de medicina e física. A editora que produz os livros esteticamente mais bonitos do Brasil, a Cosac&Naïf, estava no canto perdido de uma estante, bem em frente a outra, onde mal se podia acessar, mesmo que a pessoa se dispusesse a se agachar como eu, a quase se deitar no chão, a se lambuzar na poeira acumulada daquela minúscula passagem que mal abriga uma vassoura de piassava.
Saí de lá triste. Não encontrei o que eu queria, não fui ao lugar que queria, não tive a atenção que queria. Não temos em Fortaleza uma livraria boa, com os requisitos mínimos de uma livraria. E olha que estou falando da livraria que fica no centro mais rico da cidade, a Livraria ao Livro Técnico, na Dom Luís.
Antes, havia estado em duas lojas no Shopping Aldeota. Uma de perfumes e uma de roupa de grife. Com que atenção fui recebida! Que educação possuíam os vendedores. Com que delicadeza e paciência me atendeu a vendedora da loja de roupas.
Não tenho nada hoje. Um vazio. Só um vazio.
Saí de lá triste. Não encontrei o que eu queria, não fui ao lugar que queria, não tive a atenção que queria. Não temos em Fortaleza uma livraria boa, com os requisitos mínimos de uma livraria. E olha que estou falando da livraria que fica no centro mais rico da cidade, a Livraria ao Livro Técnico, na Dom Luís.
Antes, havia estado em duas lojas no Shopping Aldeota. Uma de perfumes e uma de roupa de grife. Com que atenção fui recebida! Que educação possuíam os vendedores. Com que delicadeza e paciência me atendeu a vendedora da loja de roupas.
Não tenho nada hoje. Um vazio. Só um vazio.
segunda-feira, março 06, 2006
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