quinta-feira, janeiro 12, 2006

Sonho inoportuno

Assombração. Um vulto que sai e se veste. Incômodo. Não abre os olhos, não quer falar, não quer rir, não quer falsear nada. Colchão adentro. Sua cabeça pesa, pesa, pesa. Seu pensamento toma medidas desproporcionais. Imerge em sonho inquieto. Inseguro. Ele está ali diante dela, tão distante, tão distante. Está do outro lado da rua. Mal o vê. Inoportuno. Muito. Não há chamadas, o telefone não toca, ela não sabe onde ficar ou ir. Percebeu que não há caminhos, está tudo incerto. Sua família está distante, não do outro lado da rua. Está detrás, em uma casa, resguardada e sorridente. Ele ainda é um bebê e naquela hora dorme. Sonha, está em paz. Ele é um bebê em paz. Seu carro não sabe manobrar. Quase cai em um espelho d’água. O contorno é feito numa enorme coluna redonda. Não sabe de que é feita. Atenta espera. Dá marcha-ré, se livrou do espelho d’água. Sua família é melhor, sempre foi, é o que lhe traz felicidade e paz. Ele continua, ainda tarde do outro lado da rua. Está sentado diante dela, tão distante, tão distante. Um sonho infeliz. Incômodo. O rosto não pôde virar-se, cumprimentar, falsear. Não pode se relacionar com o mundo, o mundo é uma assombração.

Um comentário:

Anônimo disse...

Custa-me definir o que sinto ao ler teus textos. A priori, confirmo o que já desconfiava: a poesia está em você, isso é um fato. A sensação que tenho é que você se deixa transbordar revelando sua essência mais íntima e isso é fascinante.
Sempre achei que a arte é um dom de poucos e partilhá-la através da escrita revela-se um ato de extrema generosidade que resplandece na excelência da execução. Fico feliz por saber que mais uma vez a poesia teve uma representante tão carinhosa.

Beijos