segunda-feira, dezembro 09, 2019

Raul

Amanhã você faz dezoito anos. É um dia-símbolo. Você me disse hoje pela manhã. Mamãe, vou ter de me alistar, tirar título de eleitor e ainda posso ser preso. Tem vantagem? A vantagem é você. Aproveito para relembrar de muito do que vivemos nesses anos. Lembro ainda do dia em que descobri que estava grávida. Era 21 de fevereiro de 2001. Cheguei em casa sorrindo, contando para minha mãe e sentindo a felicidade prévia de tudo o que ainda iria viver. Não duvidei disso. Era uma força tão grande. Um tsunami. Eu não tinha medo. Eu não tinha emprego, não tinha casa, não era casada, estava de mudança para o Rio de Janeiro para cursar um mestrado na Gávea. E eu, eu não tinha medo. Tinha um quarto para compartilhar e depois de quinze dias já não o teria mais, mas não tinha medo. Cheguei no Rio, você tinha quatro semanas no meu ventre. Morei em Laranjeiras na casa de um amigo, depois dividi apartamento com minha amiga Vanessa e meu amigo Gustavo, depois aluguei uma casa no Catete, com o Oscar, seu pai, onde vivemos dias de muita alegria. Você nasceu depois de nove meses e duas semanas de gestação. Vivi a mais plena felicidade durante a gestação. Não senti dores de cabeça, não senti enjoos exagerados, não passei por privações. Eu não tinha medo. Buscamos ajuda para parto humanizado, procuramos um obstetra homeopata, organizamos a sua chegada, lemos sobre bebês e aprendemos o que era possível. Você chegou às 14:35 do dia 19 de novembro de 2001 na maternidade Pró Matre no Centro do Rio. Era uma segunda-feira. O parto foi normal, o que não quer dizer normal até porque normal é não parir. O parto é eventual. E o evento demorou, começou às cinco da manhã e se estendeu até o início da tarde. Já nascido, trouxe você para o meu peito, ainda com o cordão umbilical preso a mim. Achei que você saberia sugar. Não. Sugar era um ato reflexo, mas dependente de um leve estímulo. Os enfermeiros queriam levá-lo para a limpeza e eu pedi ao Oscar que o acompanhasse porque se meus olhos não podiam te acompanhar, que os do pai o fizessem. Assim aconteceu. E depois de quase vinte e quatro horas no hospital, voltamos para a nossa casa azul na Rua Tavares Bastos. Que lindo dia aquele. Naquele dia, não sabia que existia futuro, nem que existia passado. E fui vivendo todos os dias sem medo. Você aprendeu a sugar, passou a mamar e eu passei a entender o que era a maternidade. Era quase verão nos trópicos. De nada precisávamos, um pouco de higiene, uma fralda descartável, um lugar para dormir e cozinhar. Mas as nossas manhãs eram cheias de azul, o azul do mar que entrava pelas janelas constantemente abertas. Eu cantava, eu te embalava, eu te alimentava, eu vivia com a atenção e os olhos voltados para você. Eu aprendi o que era amar. Aprendi o que é ter alguém que depende de você. Aprendi o que era ser responsável. Aprendi o que chamavam de vida adulta. Tinha ânsia por experimentar ser adulta. Eu tinha 25 anos quando você nasceu. E você ainda viveu no Rio por mais um ano e cinco meses. Depois passamos quinze dias em Fortaleza e fomos morar em Madrid, onde ficamos até o final do ano de 2003, quando me separei do Oscar. Vim para Fortaleza, aluguei em junho de 2004 um apartamento onde hoje moramos e você foi crescendo por aqui. Em 2007, nos mudamos para Paris. Você tinha cinco anos. Mamãe, por que aqui tudo é tão velho? Em 2008, você voltou antes de mim. Chegou aqui no dia 2 de fevereiro de 2008 e ficamos separados até o dia 12 de junho de 2008, porque essa decisão foi tomada sob influência de uma pessoa que me fez ter medo. Foram quatro meses em que minha cabeça só pensava em você. Tinham me explicado que era melhor assim. Eu tinha que aproveitar a oportunidade e pensar em mim. Achava aquilo bizarro e não concordava, mas tomei essa decisão, sob essa influência que parecia ser inteligente. Anos depois descobri que era uma influência perversa, que não usava o amor como variável para fazer o balanço. Sobrevivemos ao tempo do medo. Passamos por certas dificuldades nesse tempo do medo, tempo em que tínhamos casa, tínhamos trabalho, tínhamos tudo, tudo fruto do meu trabalho e da minha dedicação, mas estávamos sob a influência do medo. Até que um dia, eu voltei a perceber que eu nunca havia vivido sob a influência do medo e tomei junto a você a decisão de viver sem medo. Olhei para você e perguntei: vamos? E você me respondeu: vamos! E assim foi. Você já tinha 14 anos. Logo completou 15 anos, outra idade simbólica, e eu te convidei para viajar. Fizemos as malas em dezembro de 2016 e voamos alto, numa viagem incrível, única, própria de quem não tem medo, e vivemos por 30 dias em Nova Iorque. E eu te vi crescer, eu te vi interagir com seu grupo, e eu te deixei ir sozinho no meio da multidão. Você foi um garoto de hábitos curiosos. Fui entendendo sua mente aos poucos. Muita concentração naquilo que te apaixonava. Foram os amigos-irmãos imaginários, foram as revistas recreio, foram os carrinhos hotwheels, foram os desenhos dos bawns, foram os stopmotions, foram as engenharias no minecraft, foram os vídeos do manual do mundo, do school of life, foram as mágicas, foram as cartas e o cardistry, até chegar à astronomia. Descobri o mundo com você nesses últimos 18 anos. Descobri a mim mesma. E agora estou descobrindo novamente um novo mundo adolescente. Que barato é a experiência de ser mãe. Percebi que somos mães e pais para que haja uma renovação constante, é a energia que gira, que reaquece, que vibra. É uma sensação muito gostosa e ser mãe era um desejo meu visceral. Não amava você quando nasceu como te amo atualmente. É a convivência, é a troca, é a energia, é a doação, é o querer o bem do outro, é a experiência da felicidade, é a vida. Vida. Encarei a maternidade com curiosidade, não tinha modelos prévios, só sabia o que não queria. E ao saber o que não queria, te dei aquilo que achava que você precisava: do aprender a comer frutas e parar de chorar sem chupeta a aprender a controlar a raiva e saber refletir antes de falar. Hoje você está pronto para viver sua vida e se relacionar com aqueles que encontrar pelo caminho. Espero que seja generoso e carinhoso, como um reflexo do que tentei te dar. Espero também que saiba conviver com a liberdade dos outros. Espero que tenha paciência para amar.
não nos querem aqui
sem ver olho nem boca
o gesto de hesitar alça
diz sem dizer faz sentir
o que cabe e o que sobra
o cabelo e a bigorna

quinta-feira, novembro 28, 2019

filho


são tantas as horas que a gente perde tentando entender
e depois de muito perder, já abandonados, aprendemos
de repente e não nos damos conta do quanto perdemos
tempo

para de repente saber que a gente perde tempo para isso
perder tempo tentando entender. Filho, são tantas coisas
complicadas, hoje chamadas de complexas, são tantas
métricas, variáveis, tantos cálculos, é tanta teoria e tanto
passo

a gente precisa perder tempo, tentando entender até que,
são pontos de vista e a gente vai percebendo vários passos,
filho, para tentar entender ou ligar os pontos e quando
a gente enxerga o ponto, filho, quando a gente vê o ponto,

filho, a gente perde tempo, muito tempo porque encontrou o
ponto

sexta-feira, novembro 15, 2019

Mario

Ayer tu nombre estaba escrito dentro de un libro
Un chico lo llevava con dos manos
¡Vaya libro más grande en el que estás!
Mi idea fue hablar al desconocido
Decirle: ¡Déjame hojear tu libro, por favor!

No lo hice. Todo lo que haría seria buscar tu nombre
En letras negras sobre una página blanca
Seguro me acercaría a tí no sé muy bien como
Estaría contigo dónde trabajo yo
Te sujetaría por un momento en mis manos.

Anoche soñé contigo. No vi tu nombre, pero tu rostro
Vivo, hablante, cuerpo enérgico y movimientos
Vestias una camisa blanca, gordito como solías ser
Me encantaba estar a tu lado, oírte y oírte
No me acuerdo muy bien lo que hacías. 

Pasado un momento, a la persona en camisa blanca
Decía: Te pareces a él, sabes que él ya no está aquí
Me gusta estar contigo porque te pareces a él
Empecé a llorar mucho al que me desperté llorando
En el café lloro tu presencia en este hueco de mi memoria.