segunda-feira, novembro 21, 2005

terça-feira, novembro 15, 2005

Noite dos descarados



Ele:
Quem é você?

Ela:
Adivinhe, se gosta de mim

Os dois:
Hoje os dois mascarados
Procuram os seus namorados
Perguntando assim:

Ele:
Quem é você, diga logo

Ela:
Que eu quero saber o seu jogo

Ele:
Que eu quero morrer no seu bloco

Ela:
Que eu quero me arder no seu fogo

Ele:
Eu sou seresteiro
Poeta e cantor

Ela:
O meu tempo inteiro
Só zombo do amor

Ele:
Eu tenho um pandeiro

Ela:
Só quero um violão

Ele:
Eu nado em dinheiro

Ela:
Não tenho um tostão
Fui porta-estandarte
Não sei mais dançar

Ele:
Eu, modéstia à parte
Nasci pra sambar

Ela:
Eu sou tão menina

Ele:
Meu tempo passou

Ela:
Eu sou Colombina

Ele:
Eu sou Pierrot

Os dois:
Mas é carnaval
Não me diga mais quem é você
Amanhã, tudo volta ao normal
Deixe a festa acabar
Deixe o barco correr
Deixe o dia raiar
Que hoje eu sou
Da maneira que você me quer
O que você pedir
Eu lhe dou
Seja você quem for
Seja o que Deus quiser
Seja você quem for
Seja o que Deus quiser

sexta-feira, novembro 11, 2005

Uma vez lá, impossível achar o caminho de volta

Impossível achar o caminho de volta. Tento, procuro, invento.
Não saio mais.

Por quê?

Será que é o melhor e mais bonito local que jamais pude encontrar? O que há nele que me paralisa e me embrutece tanto que meus olhos não sabem mais buscar outro horizonte? Quantos já estiveram em minha situação? O que foi feito destes seres cuja alma já não lhes pertence? Tomaram rumo próprio e já não obedecem nenhum desígnio da razão?

Meu destino está parado. Daqui eu não saio. Nunca mais.
Improvável achar o caminho de volta.

Eu quero?















Ver: Journal Photographique de Wilfrid Hoffacker

"Quand on s'en va pour la première fois, on ne sait pas comment se retourner."

Didier van Cauwelaert

segunda-feira, novembro 07, 2005

Dance: não há nada a ser revelado



No domingo passado, entrei numa sala. Tive de me desvencilhar de dois grandes panos em forma de cortina que me impediam ver o que havia no interior. Quase como quando se entra numa câmara escura. Estou acostumada a entrar num laboratório fotográfico: fecho a primeira porta, estou numa ante-sala; abro uma segunda porta, entro finalmente no recinto. No laboratório, sei que só não posso acender as luzes quando estão revelando alguma fotografia. Naquela sala, onde havia uma instalação, chamada de Terra Incógnita: Fortaleza, as portas eram os tais panos negros e dentro não era possível acender as luzes mesmo que não houvesse foto a ser revelada. O que havia lá dentro?

Uma sensação estranha invadiu-me. Um certo temor, uma cegueira repentina me paravam o tempo inteiro. Meu olho humano, habituado a enxergar, via vultos, muitos vultos. Mesmo assim, não me contive. Meus braços davam voltas, tentavam contornar o ambiente e quanto mais eu me movia, mais eu percebia que o som, vindo de caixas espalhadas por todo o lugar, se modificava conforme meu comportamento. Tentei ficar quieta. Vencer a programação da instalação. E de repente, um grito estrondou em meus ouvidos. Vasculhei tudo, levei sustos, temia esbarrar em alguém. Muito provavelmente não havia outro vulto naquela sala, senão o meu. Meu coração disparou, não pensei em continuar. Desisti de sair, estava diante da única e última oportunidade de tentar perceber o sentido daquilo tudo. Preferi ficar e enfrentar as sombras. Comecei pouco a pouco a distinguir as partes do ambiente. Já não estava perdida. Sabia onde era a saída e tinha a consciência de estar só. No entanto, não pude frear a sensação de pensar que ali outros estavam como eu, perdidos em um espaço de vozes e ruídos que murmuravam e berravam, sem um ritmo, aleatoriamente.

Não pude deixar de continuar dentro da câmara escura, e esta continuidade implicava o tempo todo a alteração das relações entre o vulto perdido, o espaço disforme e os sons que vinham de pontos diversos e se apresentavam inesperados. Pude compreender por uma forte experiência sensorial aquilo que conhecia teoricamente, através do pensamento de Saussure sobre a linguagem, que diz que “a continuidade da língua implica necessariamente a alteração, o deslocamento mais ou menos considerável das relações”.

A instalação é uma forma menos usual de interação do que as línguas humanas. Mas aqueles sons eram de vozes pronunciando palavras que, isoladas e em situação de comunicação numa cidade de fato, poderiam fazer alguém correr, dormir, desistir, inventar, construir ou agir simplesmente como uma resposta ao que se ouve. Entretanto, quem esteve lá não pôde ter nenhuma dessas reações cotidianas, porque as palavras não estavam para significar, porque, diferentemente do laboratório fotográfico, não há nada a ser revelado. Só era preciso dançar um pouco.

Minha razão não quis entender esta instalação. Dentro daquele local, não me lembrei do título que levava a peça. Pouco me importam os títulos, minha idéia inicial é de que as coisas farão sentido por si sós, e é aí que me equivoco ou que nos equivocamos (caso alguém compartilhe comigo das mesmas idéias). Nada faz sentido por si só. Nada. Já sabemos desde muito tempo que não há substância, só há forma. Mesmo assim continuamos com esse impulso natural por buscar conhecer indefinidamente o significado das nossas ações no mundo ou de uma obra de arte. Não há significado para obras de arte. Não nelas. Há, depois, discurso sobre elas, como esse que acabei de escrever.