terça-feira, janeiro 17, 2006

Velório

-- Com licença, eu tenho mais direito do que você. Aliás, quem é você?
-- Como quem sou eu, ué, não sabe?...se não sabe é porque provavelmente tenho muito mais direito que você.
-- Você se engana, meu caro. Ela me amava e já fazia tempo. Um amor silencioso e profundo.
-- É comigo que ela estava, ainda um pouco tímida, é verdade, mas sentia que gostava muito de mim.
-- Isso não lhe dá o direito, com licença.
-- Burra, deve ter feito alguma bobagem para morrer assim. Não sabia se cuidar. Mal bebia água, tinha que lutar todos os dias para ver se enchia um copo d'água.
-- Talvez por isso, por tanta insistência ela relutou tanto em beber água. Grosso!
-- Quem é você e por que me chama de grosso?
-- Sei tudo dela...tu-do. Ela não te suportava. Saia daqui!
-- Você é um insignificante, ninguém te atura...não sei como você consegue se suportar.
-- Com licença, você já passou tempo demais aí.
-- Minha irmãzinha, como isso foi te acontecer...tão jovem.
-- Que Deus a tenha bem em seus braços, você merecia, meu amor.
-- Isso é um chafurdo, por que esses caras não saem daí de perto? Vamos lá, nenê?
-- Vocês podem nos dar mais privacidade, por favor, e terminar a discussão lá fora.
-- Não acredito, não posso acreditar nisso!
-- Nosso amor foi demais, demais.
-- Ela nunca conseguiu amar outro homem.
-- Eu a estava esperando para voltar para casa.
-- De que casa você fala?
-- Da minha, ué.
-- Mas a sua nunca foi dela. Aliás, nunca teve casa com você, só teve casa comigo.
-- Mas quase casa comigo, e de fato vivemos juntos muito tempo. Se a gente for contabilizar eu tenho mais direito do que todos vocês. Eu a conheço mais, e há mais tempo.
-- Mentira, você não representa nada, se eu fosse você nem teria vindo.
-- Está louco, não sabe nada sobre nossa intimidade. Ela não gostaria que eu faltasse.
-- O que ela não gostaria era de ter morrido, rapaz.
-- Também, mas se observarmos por outro ponto de vista, seria capaz de reivindicar minha presença.
-- Não entendo nada. Lamento muito que isso tenha ocorrido. Deus é injusto.

No de fato, meia dúzia de palavras, alguns olhares distantes, muito pesar e pouco frio. Finou-se.

2 comentários:

Anônimo disse...

também adorei aquela quarta, elis!
e também tenho passado por aqui.
e aí, como está o andamento das coisas? estou em dois dias até agora. :)
beijos.
diana.

Anônimo disse...

Passeando por aqui para ver teus escritos.
Gê.