segunda-feira, novembro 07, 2005

Dance: não há nada a ser revelado



No domingo passado, entrei numa sala. Tive de me desvencilhar de dois grandes panos em forma de cortina que me impediam ver o que havia no interior. Quase como quando se entra numa câmara escura. Estou acostumada a entrar num laboratório fotográfico: fecho a primeira porta, estou numa ante-sala; abro uma segunda porta, entro finalmente no recinto. No laboratório, sei que só não posso acender as luzes quando estão revelando alguma fotografia. Naquela sala, onde havia uma instalação, chamada de Terra Incógnita: Fortaleza, as portas eram os tais panos negros e dentro não era possível acender as luzes mesmo que não houvesse foto a ser revelada. O que havia lá dentro?

Uma sensação estranha invadiu-me. Um certo temor, uma cegueira repentina me paravam o tempo inteiro. Meu olho humano, habituado a enxergar, via vultos, muitos vultos. Mesmo assim, não me contive. Meus braços davam voltas, tentavam contornar o ambiente e quanto mais eu me movia, mais eu percebia que o som, vindo de caixas espalhadas por todo o lugar, se modificava conforme meu comportamento. Tentei ficar quieta. Vencer a programação da instalação. E de repente, um grito estrondou em meus ouvidos. Vasculhei tudo, levei sustos, temia esbarrar em alguém. Muito provavelmente não havia outro vulto naquela sala, senão o meu. Meu coração disparou, não pensei em continuar. Desisti de sair, estava diante da única e última oportunidade de tentar perceber o sentido daquilo tudo. Preferi ficar e enfrentar as sombras. Comecei pouco a pouco a distinguir as partes do ambiente. Já não estava perdida. Sabia onde era a saída e tinha a consciência de estar só. No entanto, não pude frear a sensação de pensar que ali outros estavam como eu, perdidos em um espaço de vozes e ruídos que murmuravam e berravam, sem um ritmo, aleatoriamente.

Não pude deixar de continuar dentro da câmara escura, e esta continuidade implicava o tempo todo a alteração das relações entre o vulto perdido, o espaço disforme e os sons que vinham de pontos diversos e se apresentavam inesperados. Pude compreender por uma forte experiência sensorial aquilo que conhecia teoricamente, através do pensamento de Saussure sobre a linguagem, que diz que “a continuidade da língua implica necessariamente a alteração, o deslocamento mais ou menos considerável das relações”.

A instalação é uma forma menos usual de interação do que as línguas humanas. Mas aqueles sons eram de vozes pronunciando palavras que, isoladas e em situação de comunicação numa cidade de fato, poderiam fazer alguém correr, dormir, desistir, inventar, construir ou agir simplesmente como uma resposta ao que se ouve. Entretanto, quem esteve lá não pôde ter nenhuma dessas reações cotidianas, porque as palavras não estavam para significar, porque, diferentemente do laboratório fotográfico, não há nada a ser revelado. Só era preciso dançar um pouco.

Minha razão não quis entender esta instalação. Dentro daquele local, não me lembrei do título que levava a peça. Pouco me importam os títulos, minha idéia inicial é de que as coisas farão sentido por si sós, e é aí que me equivoco ou que nos equivocamos (caso alguém compartilhe comigo das mesmas idéias). Nada faz sentido por si só. Nada. Já sabemos desde muito tempo que não há substância, só há forma. Mesmo assim continuamos com esse impulso natural por buscar conhecer indefinidamente o significado das nossas ações no mundo ou de uma obra de arte. Não há significado para obras de arte. Não nelas. Há, depois, discurso sobre elas, como esse que acabei de escrever.

4 comentários:

Anônimo disse...

O fato da obra de arte provocar uma reação em quem a percebe ou se envolve com ela não constitui a substância de que ela é feita? A forma não seria o meio pelo qual essa substância é trasmitida?

ez disse...

alguns discursos sobre a experiência/elis:

Elis, achei tão bonitas suas observações!

Mas fiquei com algumas coisas na cabeça:
A câmera escura que não revela?
Como se a palavra não estivesse para significar?

Mas ai é que a palavra muda de forma/ função
Ela ressoa outra, em corpo, em dança
Ela significa outra

E nisso pensando as caixas, os lugares em que cada texto sai – em qual caixa?

O que dizer para o espectador q naum dança?

Fora da rua, a palavra em potencial, lá na caixa escura
Se molda a possíveis interações, danças:
Conta história, sugere percursos, incita buscas,
Percursos

Talvez não exista significados sobre as obras – discursos sobre
mas existe a experiência
Que é qd elas rebatem em nós e significam, acho
Que é qd elas são obras, de em potencial para em experiência

Foi assim Elis, que li seu texto
Entendo, talvez, da liberdade que quis mostrar, do escuro, da dança

Bezoz amore

Elis disse...

Érica,

Sinceramente penso que construir significado é mais uma forma dentre as inúmeras formas de agir.

O que é difícil, e muito, de compreender, porque nosso pensamento possui uma linguagem que entende o mundo como forma e conteúdo.

Beijos,

Elis

Anônimo disse...

As sensações nos revelam ou nos conectam com o que a razão não consegue compreender.